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terça-feira, 27 de maio de 2008

A geografia e a cultura

Santos (2001) sinaliza as fábulas que a globalização impetrou no imaginário social, de forma a induzir a crença na simultaneidade das ações, que convergem os momentos vividos, dando ao homem a possibilidade de partilhar em tempo real o acontecer do outro. Nesse sentido, acredita-se na existência de uma aldeia global, alicerçando-se na desterritorialização da humanidade, que destituiu suas fronteiras e tornou-se una.
Nessa perspectiva Haesbaert (2004) desenvolve um estudo sobre o mito da desterritorialização, destacando que o encurtamento das distâncias, a compressão espaço-tempo e a fragilidade das fronteiras não provocaram o fim dos territórios. Ao contrário do que propõe Badie (1996) apud Haesbaert (2004), o território não foi abalado pelos progressos do multiculturalismo, nem tampouco ultrapassado pelos movimentos de mundialização, que tentam homogeneizar os valores e objetivos da humanidade.
Concordamos com Sherer-Warren (1993) quando esta afirma ser necessário diferenciar a homogeneização cultural de uma modernização seletiva. É, inclusive, através da própria globalização que surgem movimentos de afirmação identitárias, os chamados movimentos anti-globalização, que insurgem num contexto reacionário, questionador, buscando ainda mais resgatar suas raízes culturais, em contraposição atravr seus valores culturais.da mais resgatar seus valores culturais. avanços daializaçpo real o aco as premissas disciplinadoras, que tentam gerenciar nossas vontades e paixões. Dessa forma, a disciplina e antidisciplina fazem parte da mesma equação, tal como destaca Certeau apud Josgrilberg (2005).
O espaço geográfico não é homogêneo, ele é "fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas" (CORRÊA, 2002, p. 9). Logo, é dotado de heterogeneidade, sendo vivaz pela sua dinamicidade das diferentes culturas, que coexistem e imprimem suas singularidades nas formas espaciais. É a diversidade e não a homogeneidade que identifica o espaço. Parece-nos que o interesse em caracterizá-lo através da perspectiva generalizante obnubila aspirações hegemônicas.
A geografia, por muito tempo serviu de alicerce para as bases civilizadoras, que através de uma hierarquização cultural baseada no viés determinista, subjugou diversas etnias, tornando-se não apenas conivente com o processo de sacarificação cultural, que tentou sucumbir experiências milenares em prol de novos comportamentos, mas tornou-se meio de operacionalização e justificação dessas perversidades sociais. Como ratifica Santos (2004) o chamado determinismo e possibilismo de Ratel e La Blache, respectivamente, serviram apenas para retardar a evolução da geografia.
Porém, essas teorias não provocaram somente a involução do pensamento geográfico, pois deixaram grandes cicatrizes, sobretudo nos povos inferiorizados a que outrora tem buscado desconstruir essas atrocidades históricas, defendendo a pluralidade cultural, abrindo-se ao sincretismo com respeito a diferenciação cultural, como destaca Scherer-Warren (1999).
Atualmente, além de convivermos com resquícios embrutecedores das idéias deterministas, que estereotipam pejorativamente a cultura nordestina, a cultura africana, por exemplo, ainda contamos com tecnologias avançadas de controle e dominação do individuo, que tentam impor um único modo de pensar e ainda cinicamente fazem-nos acreditar que somos livres, quando estamos sob forma de dominação. Nesse sentido, não é difícil encontrar geógrafos que oferecem subsídios a esses pensamentos elitistas. A guisa de exemplo, tem-se àqueles que pregam a homogeneização do espaço e a desterritorialização cultural, como foi supracitado.
Entretanto, segundo Claval (1997), a geografia cultural moderna tem desenvolvido abordagens bastante significativas, sendo norteada a partir de três eixos igualmente necessários e complementares:

(...) Primeiro, ela parte das sensações e das percepções; segundo, a cultura é estudada através da ótica da comunicação, que é, pois, compreendida como criação coletiva; terceiro, é apreendida na perspectiva da construção de identidades, insiste-se então no papel do indivíduo e nas dimensões simbólicas da vida coletiva (CLAVAL, 1997, p. 92).

A geografia valoriza os conhecimentos que o indivíduo apreende através das inter-relações sociais, investigando os discursos e suas respectivas representações, atentando para o processo de endoculturação, já que cada um mesmo estando sujeito a padrões instituídos de comportamento, imprime sua subjetividade, de forma que essas representações, "constituem um universo mental que se interpõe entre as sensações recebidas e a imagem construída em seu espírito" (CLAVAL, 1997, p. 93). Assim, da-se ênfase ao processo de interiorização individual, que dará novo sentido as representações postas. "Diferentes usos e diferentes práticas produzem uma pluralidade de resultados" (JOSGRILBERG, 2005, p. 84).
Os geógrafos também concebem a cultura a partir da circulação da informação entre os indivíduos, tratando a oralidade como elo social, pois é a partir da comunicação que as pessoas interagem entre si e que as culturas permanecem vivas na memória e nas práticas de um povo. Por meio dessa língua falada perpetua-se valores e simbologias culturais, possibilitando que diferentes gerações tenham conhecimento sobre as formas de vida e os costumes daqueles que lhes antecederam, fazendo com que a informação circule incessantemente entre os indivíduos.
É justamente por meio desses fluxos informacionais que se institui os padrões de comportamento, caracterizando a cultura como um "conjunto complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (MELO, 1987, p. 40). Mas, aqui cabe inferir a relação intrínseca entre cultura e identidade, logo, a cultura, não deve ser utilizada como veículo de homogeneização, que impõe ao indivíduo formas uníssonas de pensar e agir e que atribui juízos de valores a todos aqueles que não se adequam as suas concepções e hábitos culturais. Não se deve perder de vista o respeito a alteridade, bem como ter consciência de que várias culturas coexistem no espaço social, e que, portanto, elas não se superpõe.
A cultura dar "sentido à existência dos indivíduos e dos grupos nos quais eles estão inseridos" (CLAVAL, 1997, p. 96). Nessa perspectiva, como posso intervir naquilo que dá sentido a vida do outro? Como posso tentar impor as minhas concepções, de forma desterritorializar culturalmente o outro? Como posso ser perverso a tal ponto, de negar a sabedoria do senso comum e ocultamente utilizá-las com interesse mercadológico, tal como fazem alguns farmacêuticos com a sabedoria popular indígena?
É extremamente necessário que reconheçamos a existência e atuação das tecnologias que tentam gerenciar nosso tempo, nosso corpo e nossa mente, para que possamos estar atentos e reflexivos sobre a nossa conduta perante esses abusos de dominação, e que não venhamos a materializar resultados que sustentem ainda mais essas idéias perversas e excludentes, tal como fez a geografia por algum tempo. Assim, enfatizamos o desafio de se pensar na interculturalidade como forma de harmonizar as relações humanas e de respeitar as concepções do outro, vivendo a partir do que Santos (2001) denomina de sociodiversidade.
Jamille da Silva
REFERÊNCIAS:
CLAVAL, Paul. As abordagens da geografia cultural. In: CASTRO, I. E. et all. Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço urbano. São Paulo: Ática, 2002.
COSTA, Rogério H. da. O mito da desterritorialização: do "fim dos
territórios" à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
JOSGRILBERG, Fábio B. Cotidiano e invenção: os espaços de Michel de Certeau. São Paulo: Escrituras Editora, 2005. (Coleção ensaios transversais; 32)
MELO, Luís Gonzaga de. Antropologia cultural, objeto e método. In: MELO, L. G. de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. Petrópolis: Vozes, 1987.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. 6 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SHERER-WARREN, Ilse. Cidadania sem fronteiras: ações coletivas na era da globalização. São Paulo: Hucitec, 1999.
______. Redes de Movimentos Sociais. 2 ed. São Paulo: Layola, 1993.

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